A crise sanitária tem exigido uma quebra de paradigmas quanto ao modelo de oferta do serviço das escolas, o que impactou diretamente na forma de trabalho dos professores, coordenadores, alunos e consequentemente as famílias. Diante do cenário atual, a gestão escolar de todo o país têm sentido a pressão de pais e responsáveis sobre descontos na mensalidade.
A SOMOS Educação preparou uma live com Roberto Prado, diretor executivo da ABEPAR (Associação Brasileira de Escolas Particulares de São Paulo). O diretor esclareceu dúvidas e refletiu sobre as melhores práticas a serem seguidas para dar o suporte necessário à toda a comunidade escolar. Este artigo traz os principais pontos ressaltados por Prado. Confira!
Mensalidade e anuidade em tempos de crise
Primeiramente, precisamos ressaltar que nenhuma das perguntas sobre esse contexto possui uma única resposta. Isso se dá porque existem muitas situações diferentes, de escolas diferentes e diferentes contextos. Mensalidade é o termo utilizado quando falamos de uma parcela de uma anuidade.
Quando uma família matricula o seu filho em uma escola, estabelece-se um contrato anual, que deve ser pago em várias parcelas no decorrer do ano letivo. Entretanto, em momentos como o que vivemos durante a pandemia, muitas famílias buscam por descontos nas mensalidades. Prado afirma que em tese não há nenhuma necessidade de desconto:
“Não vale a pena pois o contrato é anual, e o serviço é dado independente da maneira em que ele é ministrado. Não existe obrigatoriedade legal de oferecer desconto nas mensalidades. O valor não deve ser alterado se o currículo for ofertado.”
Contudo, não podemos ignorar que muitas famílias tiveram parte de sua renda alterada devido à atual crise. Para esses casos, é necessário que a escola seja condescendente, analisando caso a caso. Desse modo, é importante estabelecer um diálogo claro e transparente com os familiares.
Escola e família
Existe uma tensão bem grande entre família e escola. A maior falha dessa relação é a briga de interesses, causada pela instabilidade do momento. Os pais estão com medo de não conseguirem honrar os pagamentos e as escolas passam pelo mesmo. Prado incentiva que a escola prove para os pais que o desconto não é possível, pois é preciso pagar professores, aluguel e contas que não são reduzidas durante a pandemia.
Para os problemas que envolvem as questões pedagógicas, Prado ressalta que apenas juntos é possível solucioná-los. Envolva os pais nesse processo, já que ambas as partes buscam se organizar nesse momento.
A Educação Infantil
Existe uma diferença, entretanto, para a Educação Infantil, principalmente para crianças com menos de 3 anos. Prado nos lembra que para esta faixa etária não existe obrigatoriedade governamental para que estejam matriculadas. Desse modo, muitas escolas que oferecem apenas Educação Infantil estão sofrendo pela desistência da matrícula.
O papel dos órgãos de proteção ao consumidor
Muitos pais têm procurado o Procon de suas cidades para exigir descontos das escolas. Prado nos lembra que o papel do órgão se limita a orientar o preço das mensalidades. Por lei, as escolas têm o direito de cobrar tanto quanto tenham de custo para oferecer seus serviços por alunos.
O diretor instrui as instituições de ensino apresentem uma planilha aos pais com todos os gastos e economias que a escola obteve neste momento. Contudo, o especialista ressalta que oferecer descontos não é obrigatório e que a maioria das escolas não conseguiu uma grande economia, já que sua folha de pagamentos permanece a mesma e muitas tiveram que investir em tecnologia que permitiram o ensino remoto.
Cursos extras
Muitas escolas trabalham com o formato de período integral estendido oferecendo cursos extras. Muitos pais vêm procurando abatimento desses serviços nas mensalidades. Para Prado a situação é bem simples juridicamente:
“Pensando no lado jurídico e que o contrato anual da escola será cumprido quando falamos do curso regular, a escola que possui um contrato a parte para os cursos extras com certeza oferece a opção de quebra de contrato. Nesse caso, trata-se da impossibilidade da reposição desses serviços, por exemplo as escolas que oferecem almoço para as crianças. Não existe a reposição do almoço, portanto deve existir a possibilidade de rescisão do serviço. Isso vale para todas as atividades extras”.
Um outro exemplo são as vans escolares. Trata-se de profissionais terceirizados que perderam a renda. Algumas escolas estão conseguindo resultados razoáveis ao oferecer aos pais a possibilidade de pagar uma porcentagem pelo serviço. Isso garante que a renda desses profissionais se mantenha, mesmo que reduzida.
Cobrar multas
Muitos pais e responsáveis ameaçam retirar os filhos da escola caso não consigam nenhum tipo de desconto ou redução na mensalidade. Tentando manter os alunos, algumas instituições pensam em cobrar multa pela quebra do contrato anual. Para esse ponto, Prado é incisivo:
“O contrato é o guia. Se não existe uma multa prevista pelo contrato é ilegal cobrar essas taxas. O ideal é entrar em um acordo para que os pais não deixem a instituição. A escola ideal é aquela que antes que o pai pense em tirar o aluno, já busca o diálogo, para entender as insatisfações e o que pode ser feito.”
Como algumas escolas têm ministrado os descontos e reduções
Prado cita vários exemplos de como algumas escolas têm enfrentado a crise e os pedidos por redução das mensalidades, mas ressalta:
“Cada instituição possui suas individualidades e precisa buscar o que melhore atende às suas condições”
Várias escolas ofereceram aos pais até 30% de desconto. Roberto nos lembra que essas instituições possuem condições financeiras específicas, como apoio financeiro além das mensalidades, ou trata-se de instituições filantrópicas. Mais uma vez, é preciso atentar-se a sua própria situação. Outro caso citado por Prado é interessante quando pensamos na clareza e transparência que o momento exige:
“Uma escola fez a conta entre os investimentos a mais e a economia nas despesas, e no final apenas 3% de desconto seria possível. Ofereceram então a opção de que os pais que não precisassem do desconto não o aderissem. Dessa forma, seria possível dar um desconto maior para aqueles que precisassem devido à redução de renda. Muitos pais concordaram com isso e não aderiram ao desconto”
Para as escolas que optam por não oferecer nenhum tipo de desconto ou negociação aos pais, é preciso lembrar que os pais não reclamam porque querem reclamar, mas porque esperam amparo da escola em um momento difícil. Para os pais que realmente não podem pagar as mensalidades de maneira integral durante a pandemia, é preciso que a escola dialogue e encontre uma solução que atenda ambas as partes. De outra maneira, gestores podem ter que lidar com uma taxa de inadimplência altíssima.
O ensino remoto
A contagem das horas-aula
Um dos muitos desafios enfrentados pelas escolas neste momento está sendo garantir as horas-aula anuais exigidas pelo Conselho Nacional de Educação. Recentemente um documento foi lançado estabelecendo que é possível que as escolas tenham menos dias letivos, desde que sejam mantidas as 800 horas anuais. O diretor da ABEPAR lembra como é importante registrar as aulas e atividades que ocorrem remotamente, pois essas contam como horas letivas.
O ponto central nesta questão é a documentação. Pensar como é possível provar que as aulas foram ministradas e que os alunos participaram dessas aulas. Os programas educacionais, como o Plurall, facilitam esse processo já que emitem relatórios de participação do aluno.
Outra recomendação é a de estender o calendário até 2021, para concluir o ano de 2020. Cada escola trabalhará dentro de suas possibilidades. Prado nos recorda de um caso ocorrido na Educação Básica da rede pública de São Paulo. Em 1990 houve uma greve dos professores e as aulas só foram concluídas em fevereiro.
Desse modo, o diretor explica a necessidade do adiamento do Enem 2020:
“Muitas escolas só poderão terminar as aulas em fevereiro do próximo ano. Desse modo, não é possível manter a data original do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) já que o prazo das escolas para ministrar os conteúdos não permanece o mesmo”.
Férias ou recesso escolar
Roberto Prado nos conta que a ABEPAR se reuniu para conversar sobre a opção de adiantamento das férias escolares. Para as escolas de São Paulo, foi orientado dar férias já no mês de abril. O motivo para isso era auxiliar as escolas pequenas:
“As escolas maiores já estavam iniciando o processo de implementação da tecnologia, mesmo que de maneira extraclasse. Para as escolas menores que não possuíam nenhuma plataforma do tipo, foi dado um mês de férias para que organizassem suas atividades remotas.”
As escolas precisam garantir a qualidade das aulas. Desse modo, a paralisação para a estruturação das atividades é essencial para as escolas que não conseguiam ofertar o serviço virtual de qualidade. Mais uma vez, é importante ressaltar a importância da clareza nas atitudes e na comunicação com a comunidades escolar.
Ensino remoto
Prado inicia esse tópico da conversa dizendo que “Escola de Educação Básica no mundo não foi feita para ser virtual”. O que as escolas ofereciam remotamente era um complemento do ensino presencial. Contudo, devido às imprevisibilidades da pandemia, o MEC estabeleceu que durante esse período, excepcionalmente, poderemos usar recursos que não são normais, como a aula virtual e a redução dos dias letivos.
Desse modo, é importante lembrar que o objetivo principal é o aluno. Assim, é preciso trabalhar para diminuir os problemas ocasionados pelo ensino remoto. Um dos muitos desafios, diz respeito ao papel dos pais e responsáveis na educação dos filhos no ensino remoto. Muitos familiares não conseguem acompanhar a realização das atividades, ou até mesmo não possuem o preparo para ensinar em casa.
Neste caso, Prado adverte as escolas que ainda não ministram as aulas remotamente, apenas enviando atividades e documentos para os jovens:
“Não é altamente recomendável que os pais ensinem conteúdos aos filhos, já que lhes faltam competências e preparo para isso. Os pais devem auxiliar os filhos na realização das atividades, mas os alunos devem falar com os professores sobre suas dúvidas.”
O ideal é que a escola busque ferramentas que não excluam o contato entre aluno e professor. Isso garante o funcionamento das aulas e a comprovação de que o aluno realmente aprendeu o que precisava ser aprendido. A gestão escolar precisa desenvolver novos paradigmas e práticas para esse momento.
Avaliações
Sabemos que as avaliações são muito importantes no processo de ensino-aprendizagem. Desse modo, as escolas estão buscando soluções de acordo com as suas possibilidades, a idade dos alunos e como a aula está sendo ministrada. Avaliar os jovens depende de uma série de questões, mas algumas escolas estão seguindo com as avaliações virtuais e é necessário que exista um trabalho conjunto com os familiares para evitar, por exemplo, as colas.
Outro ponto muito importante é o teor dessas avaliações. Isso significa que é necessário cobrar uma avaliação dentro do que foi oferecido aos jovens naquele momento. Se existiram perdas de conteúdo e metodologia, não faz sentido realizar a mesma avaliação que seria feita anteriormente.
Sugestão aos mantenedores
Prado finaliza afirmando que vamos sair da pandemia mais fortes e experientes. A inserção da tecnologia neste momento de crise acelerou o processo de virtualização das aulas. Além disso, novas metodologias surgiram e serão úteis na administração das aulas presenciais.
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